domingo, 19 de dezembro de 2010

Esperanças


Fim de ano. A tendência é renovar as esperanças. Apesar de agressões irracionais nos surpreenderem a cada esquina, acreditamos ser possível um mundo mais tolerante. Depende de cada um de nós. Não é tão difícil tentar compreender que o outro é diferente da gente e ao mesmo tempo igual. Diferente nas maneiras como se expressa e se manifesta. Igual em essência, ser humano.

Na semana passada o governo federal criou o Conselho Nacional de Combate à Discriminação. Prefiro fechar o ano de 2010 comentando esta notícia e depositando na iniciativa a expectativa de mudanças, em meio à polêmica dos últimos ataques contra homossexuais em São Paulo.

O conselho, voltado ao movimento gay, terá a função de combater a homofobia e promover os direitos da comunidade LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros). Ele substitui uma instância de mesmo nome criada em 2001 para combater a discriminação de forma geral, mas que foi esvaziada pela criação de conselhos específicos (negros, idosos e deficientes). Reformulado, pretende estabelecer contato mais direto entre sociedade civil e governos.

Vai, por exemplo, mobilizar parlamentares em favor do projeto que criminaliza a discriminação contra gays. Outra função é a de acompanhar de perto as ações desenvolvidas por Estados e municípios.

É a primeira vez que um colegiado específico para o movimento LGBT é criado na esfera federal. Integrantes da sociedade civil, ministérios, secretarias vinculadas à Presidência da República, Casa Civil, Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho, magistratura federal e Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara vão formar o conselho. A ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais) pedia a sua criação desde 2008 e comemorou a publicação do decreto.

Outro fato que pode reforçar as esperanças é que a deputada Maria do Rosário (PT-RS), escolhida pela presidenta Dilma Roussef para assumir o ministério da Secretaria Nacional de Direitos Humanos (SNDH), afirma que o Brasil terá um programa de garantia aos direitos dos homossexuais. Ela entende que o país vive contradições nos Direitos Humanos pois trabalha de forma célere a inclusão, mas registra preconceitos muito fortes que precisam ser enfrentados. 2011 está aí para isso.

Ditadura de Gênero


Um dos principais quadrinistas do Brasil, Laerte chocou seus fãs recentemente ao adotar a prática do cross-dressing. Aos 59 anos, ele simplesmente surgiu de roupas femininas, unhas pintadas e maquiagem. Um amigo meu, chargista e fã de Laerte de longa data, afirma que não consegue mais ver o quadrinista com a mesma admiração que antes. O fato ilustra bem o quanto o papel de gênero nos afeta.

Laerte participou de diversas publicações, entre elas de O Pasquim. Colaborou com as revistas Veja e Istoé e os jornais Folha de São Paulo e O Estado de São Paulo. Criou diversos personagens, como os Piratas do Tietê e Overman. Em conjunto com Angeli e Glauco (e mais tarde Adão Iturrusgarai) desenhou as tiras de Los Três Amigos.

Ele dá uma imensa contribuição na luta contra o preconceito ao expor o que chama de “ditadura dos gêneros”. Fala em tabus que não podem ser quebrados e de liberdade tolhida. De fato, limitamos as possibilidades de expressão na vida quando restringimos socialmente a maneira como as pessoas devem se vestir ou falar.

Cross-dressing é um termo que se refere a pessoas que vestem roupa ou usam objetos associados ao sexo oposto. Não está relacionado com a orientação sexual, portanto, um cross-dresser pode ser heterossexual, homossexual, bissexual, transexual ou mesmo assexual. Geralmente não há modificação corporal, seja através da terapia hormonal ou cirurgias.

Laerte diz que se aproximou do cross-dressing em 2004 e que o fato não é um fetiche sexual. Para ele, é uma questão de gênero, não de sexo. É um erro achar que o cara é gay porque se vestiu de mulher ou que é macho porque jogou bola. A divisão do mundo entre mulheres e homens é um dogma muito forte e não se rompe isso facilmente. Bissexual, Laerte exibe atualmente uma namorada. Desafia os códigos estabelecidos e perturba todo o ambiente a seu redor.

A maioria das pessoas até se espantam, mas procuram não demonstrar. Se deixarem isso acontecer, segundo ele, estariam ferindo um código de boa conduta intelectual, demonstrando que não são modernos. A hipocrisia está sempre próxima do preconceito.

Último fato importante: Laerte afirma não concordar com o lema “existimos pelo prazer de ser mulher” do Brazilian Cross-dresser Club, do qual faz parte. Ele diz que nunca será mulher, mas defende o direito de se apresentar ao mundo daquela maneira.